“Se eu mereci a condenação à morte? De acordo com as
leis, pelo que eu pude compreender da explicação de meu advogado, sim. Segundo
a minha consciência, não. As leis estão raramente de acordo com a história e
permanecem quase sempre atrás dela. Eis porque há agitações sobre a terra e
sempre haverá. Eu agi segundo minha melhor convicção e nada busquei para mim
mesmo. Fracassei como tantos outros, e alguns melhores, antes de mim, mas o que
quis não pode perecer, não porque eu o quis, mas porque aquilo que eu quis é
necessário, inevitável. Cedo ou tarde, com maior ou menor sacrifício, isso
virá, no sentido de seu direito, de sua realização. Este é o meu consolo, minha
força e minha fé.”
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
Invocação do Recife
Recife do rio Capiberibe!
Ou Capibaribe como evocou o poeta!
Suas ruas infestadas de comércio e gente
Por onde outrora divagavam os poetas
E os seus heróis sangravam por ti,
Hoje, impera o desamparo
E seus filhos, combalidos
Se precipitam para o mar
A procura de abrigo e acalanto
Já não sonham mais... Apenas persistem!
Recife do rio Capibaribe!
Ou Capiberibe como evocou o poeta!
Suas calçadas repletas de miséria e dor,
Outrora, ilustres libertadores caminhavam
Enquanto prenunciavam um mundo melhor
Hoje, inerte, assiste o sucumbir dos seus heróis
E seus filhos, vencidos
Se precipitam para o esquecimento
Alijados do cuidado e da afeição.
Já não amam mais... Apenas esperam!
Recife do rio Capiberibe!
Ou Capibaribe como evocou o poeta!
À tua margem, o poeta engenheiro
Espreita as imponentes construções
À procura, nas modernas casas-grandes,
Do olhar trancafiado dos senhores livres
Que ensurdeceram para os gritos vindos da senzala
Que se ergue medonha
Em tuas ruas de nomes esperançosos!
E contra, teus filhos, desiludidos,
Se precipita a noite
A lhes devorar o sonho e o temor!
Já não ousam... Apenas aceitam!
Recife do rio Capibaribe
Ou Capiberibe como evocou o poeta!
Suas ruas agora são mangues
Onde há fome e falta identidade!
E homens-caranguejos
De membros debilitados
Escavam a lama de concreto e asfalto!
À procura de saída e acolhimento!
E contra seus filhos, Anjos caídos,
Se precipita a mentira
A corroer o que restou de probabilidades!
Já não são... Apenas
estão!
Recife do rio Capiberibe!
Ou Capibaribe! Que importa?!
Se não fora ouvida a evocação do poeta
E suas ruas desmereceram seus nomes -
De esperança, de união, da aurora –
Pois, deixastes que os escravagistas modernos
Desonrassem o sangue de teus heróis
Erguestes a bandeira da miséria
Tão impregnada de eternidade!
E seus filhos, derrotados
Foram impedidos de vingar tua aurora!
Já não beligeram mais... Apenas imploram!
Recife do rio Capibaribe! Ou Capiberibe!
Recife do rio dos infortúnios! Isto sim!
Como deveriam evocar os poetas!
Suas ruas traduzem o desamparo
E contra teus filhos, heróis anônimos!
Se precipitam os arrecifes,
Despejando-os na mendicância dos sonhos!
Não os deixastes ir embora pra Pasárgada
Porque não eram amigos do rei!
Recife do rio Capiberibe! Ou Capibaribe!
Como o evocaria hoje o poeta?
Adão Lima de Souza
Do Livro A Vela na Demasia de Vento
terça-feira, 27 de janeiro de 2015
Dois sonetos de Augusto dos Anjos
Solitário
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -
Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -
Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
Budismo Moderno
Tome, Dr., esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contato de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
Alma bissexta
Oxalá! Seja-me a vida nefasta
Como é minha alma bissexta.
Pois sou pessoa cruel, funesta
De quem toda compaixão se afasta
Atraindo a vilania, a indecência
De um amar sem indulgência.
Só alguém sem dignidade, respeito
Tão volumosamente vil e repugnante
Tanto que em todo lugar, a todo instante
Demonstra pelos amigos
despeito,
Por inveja e mediocridade,
Não merece nenhuma hombridade.
Não poder sequer dizer-se homem
Por não ser civilizado
Tal sujeito rústico, mal lapidado
Ainda esmerado os defeitos não somem
Mereço terríveis castigos
Tal qual os mal feitores, outrora,
Morrer com horror e demora
Pregado na cruz pelos amigos
Isso ainda não redimiria todo pecado
Como foi com o inocente crucificado.
Se fosse punição maior a morte
Aceitaria com pesar, mas resignado
Pois se pena tão leve tivesse todo culpado
Já que é inevitável tal sorte
Sem se ponderar mais e mais se pecaria
E com regozijo a punição se pediria.
Porém, para tão vil alma,
Maior castigo é não morrer
Sentir remoço, perecer
Num movimento eterno e sem calma
Sentir por cada ato o mal em cada rosto
E sentir no corpo o flagelo do desgosto.
Adão Lima de Souza
Do Livro: A Vela na Demasia de Vento.
quinta-feira, 1 de janeiro de 2015
Alain Badiou: análise do poema “Ode Marítima” de Fernando Pessoa.
Ah, ser
tudo nos crimes! Ser todos os elementos componentes
Dos
assaltos aos barcos e das chacinas e das violações! (Ode Marítima)
A Ode Marítima é imenso poema de arquitetura muito firme,
mas muito complexo. Ele vai da solidão à solidão de modo que sua última palavra
não é “nós”. A crueldade coletiva, exibida na imagem dos piratas, é uma
passagem, certamente longa, quase uma ladainha, mas assim mesmo uma passagem,
uma espécie de devaneio alucinado.
Podem-se distinguir sete momentos no poema.
1 1. Solidão da proferição: em Lisboa, um “eu”
indeterminado, mas que se encandeia no
poema, olha, sob o sol do estuário do Tejo, o porto, o caís. Um guindaste gira
no céu.
2. Momento platônico. A solidão sai de si ao fazer advir uma ideia pura das coisas. Ela promove como essência de sua visão o “grande caís”., o caís essencial.
3. Esse momento é desfeito pela entrada em cena de um múltiplo absolutamente furioso. Esse múltiplo cria apelo coletivo na direção do “nós”, quebra a solidão.
Apresento um excerto dessa cesura;
Quero ir convosco, quero ir convosco,
Ao mesmo tempo com vós todos
Pra toda parte pr’onde fostes!
Quero encontrar vossos perigos frente a frente.
Cuspir dos lábios o sal dos mares
Que beijaram os vossos,
Ter braços na vossa faina, partilhar
Das vossas tormentas,
Chegar como vós, enfim, a extraordinários
portos!
(...)
Ir convosco, despir de mim – ah! Põe-te
daqui
De ações,
Meu medo inato das cadeias,
Minha pacífica vida,
A minha vida sentada, extática, regrada e
revista.
[...]
Por fim, a palavra fundamental de todo esse
ataque é “com”, significante da absorção do “eu” num “nós” nômade. (...) Álvaro
de Campos indica com lucidez a condição desse nomadismo coletivo: o despir da
familiaridade, da instalação. Existe aí notação profunda, e que julgo exata:
para que o indivíduo se torne sujeito, é preciso que supere o medo, o “medo
inato das cadeias”, certamente, mas mais ainda o medo de perder toda identidade, de ficar despossuído das
rotinas do lugar e do tempo, da vida “regrada e revista”.
4 4. Vêm, como efeito do apelo que precede, a
rebentação total do “eu” na multiplicidade-pirata, uma espécie de dilatação
extática do sujeito pessoal num “nós” absolutamente cruel. Daí meu segundo
extrato:
Ah! Os piratas! Os piratas!
A ânsia do ilegal unido ao feroz,
A ânsia das coisas absolutamente cruéis
E abomináveis, que rói como um cio abstrato
os nossos
Corpos franzinos,
os nossos nervos femininos e delicados,
e põe grandes febres loucas nos nossos
olhares
vazios!
(...)
Tomar sempre gloriosamente a parte submissa
Nos acontecimentos de sangue e
Nas sensualidades estiradas!
[...]
Essa passagem combina dois temas
aparentemente contraditórios, a transgressão (“ânsia do ilegal”, “acontecimento
de sangue” , “grandes febres”...) e a submissão ( “ a parte submissa”, os
nervos femininos e delicados”, os “olhares vazios” ...). tudo isso vai
ocasionar no poema a longa rapsódia masoquista, levada até a imaginação de um
corpo esquartejado, espalhado, real em pedaços das “sensualidades estiradas”.
(...) a passividade, com efeito, é
tão-somente a dissolução do “eu”, a renúncia a toda identidade subjetiva.
5 5. De repente, interrupção. Como se o impulso de
dissolução chegasse a um limite da imaginativa em matéria de crueldade e de
submissão. E na sequência o “nós” se desfaz, e há uma como que regressão melancólica na direção do “eu”.
6 6. Entretanto, outro tipo de multiplicidade dilata
ainda mais a força criadora do sujeito. Essa multiplicidade3 não é dinâmica,
extática e cruel, como a dos piratas. É comercial e racional, atarefada,
diligente. Álvaro de Campos dirá “burguesa”. Trata-se na verdade do momento
humanista do poema. É desse sexto tempo que provém minha citação seguinte:
As viagens, os viajantes – tantas espécies
deles!
Tanta nacionalidade sobre o mundo!
Tanta profissão! Tanta gente!
Tanto destino diverso que se pode dar à
vida,
À vida, afinal, no fundo sempre, sempre a
mesma!
Tantas caras curiosas! Todas as caras são
curiosas
E nada traz tanta religiosidade como olhar
muito
Para gente.
A fraternidade afinal não é uma ideia
revolucionária.
É uma coisa que a gente aprende pela vida
fora,
Onde tem tolerar tudo,
E passa a achar graça ao que tem que
tolerar,
E acaba quase a chorar de ternura
Sobre o que tolerou!
Ah! Tudo isto é belo, tudo isto é humano
E ainda ligado
Aos sentimentos humanos,
Tão conviventes e burgueses,
Tão complicadamente simples,
Tão metafisicamente tristes!
A vida flutuante, diversa, acaba por nos
educar
No humano.
Pobre gente! Pobre gente toda gente!
(...)
[...]
Quando o poeta declara que “a fraternidade afinal
não é uma ideia revolucionária”, ele nos incita a distinguir a fraternidade propriamente
dita , que é despir da vida legítima, abandono ao poder acontecimental do ‘nós’;
e fraternidade derivada e corrompida, que é apenas humanismo piedoso, cuja
fórmula é a tolerância com tudo, a aceitação das diferenças, os “sentimentos
humanos” sobre os quais é particularmente justo dizer que são “metafisicamente
tristes”, pois implicam renúncia a qualquer paixão pelo real.
7 7. Incapaz de incorporar-se ao humanismo, de dobrar
sua palavra à tolerância universal tratada como escolha e ternura, o poeta
retira-se para mais perto possível da figura inicial, a de uma solidão que
sonda , de muito alto sobre o porto, o movimento circular de um guindaste.
[...]
Álvaro de Campos, por fim, pensa que de
grande só há a partida, o impulso ilegal e multiforme que rompe a frouxidão
corrente. Mas no devotamento ao múltiplo – a passagem do “eu” ao “nós” – tudo se
deteriora em aceitação e em tolerância. De
modo que, pela mediação da submissão orgíaca e cruel, passamos no final de
contas de uma frouxidão primeira ( o medo, a vida pacífica, sentada) a uma
segunda frouxidão ( o humanismo religioso, burguês e tolerante), que em última
análise vê por toda a parte o homem e,
portanto, conclui que há apenas “a vida, afinal, no fundo sempre, sempre a
mesma”.
Trecho
tirado do livro o Século, de Alain Badiou.
Adaptado
por: Adão Lima de Souza.
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