domingo, 28 de maio de 2017

AUGUSTO DOS ANJOS - Poeta universal.

Psicologia de um Vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco, 
Monstro de escuridão e rutilância, 
Sofro, desde a epigênese da infância, 
A influência má dos signos do zodíaco. 

Produndissimamente hipocondríaco, 
Este ambiente me causa repugnância... 
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia 
Que se escapa da boca de um cardíaco.  

Já o verme -- este operário das ruínas -- 
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,  

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!


Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável 
Enterro de sua última quimera. 
Somente a Ingratidão – esta pantera – 
Foi tua companheira inseparável!

 
Acostuma-te à lama que te espera! 
O homem, que, nesta terra miserável, 
Mora, entre feras, sente inevitável 
Necessidade de também ser fera.  


Toma um fósforo. Acende teu cigarro! 
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, 
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

  
Se alguém causa inda pena a tua chaga, 

Apedreja essa mão vil que te afaga, 
Escarra nessa boca que te beija!

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