ENSAIOS



 ANARQUISMO: Princípios, ideologia e os movimentos.


 

"Se não houver rebelião, não haverá sobrevivência".
José Oiticica.

A Anarquia

Para a anarquia vai a humanidade
Que da anarquia a humanidade vem!
Vide como esse ideal do acordo invade
As classes todas pelo mundo além!

Que importa que a fração dos ricos brade
Vendo que a antiga lei não se mantém?
Hão de ruir as muralhas da Cidade,
Que não há fortalezas contra o bem

Façam da ação dos subversivos crime,
Persigam, matem, zombem... Tudo em vão...
A ideia, perseguida, é mais sublime,

Pois nos rudes ataques à opressão,
A cada herói que morra ou desanime
Dezenas de outros bravos surgirão.





ENSAIO SOBRE O ANARQUISMO
Por Adão Lima de Souza

 “Quem quer que seja que ponha as mãos sobre mim, para me governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo”. (Pierre-Joseph Proudhon)

1.0. INTRODUÇÃO

As origens do movimento derivam da concepção individualista dos direitos naturais, defendida por John Locke. Para o filósofo inglês, haveria um contrato voluntário acordado entre indivíduos iguais em direito e em deveres. Os anarquistas e os liberais extraíram das ideias de John Locke profundas implicações políticas, isso no final do século XVIII, quando surge um movimento anarquista estruturado, como uma corrente política autônoma e com seguidores em todo mundo.

Dentre os teóricos mais conhecidos, conta-se William Godwin (1773-1836), P.J.Proudhon (1809-1865),  Bakunine (1814-1870), Kropotkin (1842-1921).
Os anarquistas se caracterizaram pela pouca inclinação à constituição de grandes organizações, formando grupos dispersos, porém, lutando basicamente em torno de seis ideias:

a) Direitos fundamentais dos indivíduos - cujo conceito se traduz na ideia da primazia do indivíduo face à sociedade. Todo o indivíduo é único e possui um conjunto de direitos naturais que não podem ser posto em causa por nenhum tipo de sociedade que exista ou venha a ser criada.

b)  Ação direta- Conceito que rejeita o sistema de representação, ressaltando o valor da ação direta do indivíduo na realidade social. Alguns anarquistas, no final do século XIX e princípios do século XX, cometiam assassinatos de figuras políticas baseados neste conceito, entendendo que tais líderes simbolizarem tudo aquilo que reprovavam.

c) Crítica aos preconceitos ideológicos e morais- Os anarquistas entendiam que era imprescindível destruir todas as condicionantes mentais que possam impedir o indivíduo de ser livre e de se assumir como tal.

d) Educação libertária- A educação é um processo de emancipação dos indivíduos, e por esta via podiam lançar as bases de uma nova sociedade.

e) Auto-organização- Embora recusem qualquer forma de poder, a maioria dos anarquistas estabelecem organizações próprias, que devem, contudo, ser resultado de uma ação consciente e voluntária dos seus membros, mantendo uma total igualdade de forma a impedir a formação de relações de poder entre os membros da comunidade.

f) Sociedade global- Um dos grandes ideais anarquistas é a constituição de uma sociedade planetária que permitisse a livre circulação de pessoas ou o fim das guerras entre países.


2.1. Conceitos e definições:

O termo anarquismo deriva da palavra grega anarkhos, e pode ser traduzido, pela proximidade semântica que encerra, como “an”; sem, arkhos; governo. Ou seja, significa nos parâmetros da língua portuguesa: "ausência de governo".

Politicamente, representa o sistema social ideal, no qual o bem comum resultaria da coerente conjugação dos interesses de cada indivíduo. Porém, sem a tradicional divisão em classes e, por consequência, uma sociedade livre de toda a espécie de opressão de uns sobre os outros.

Portanto, a situação política em que a Constituição - Direitos e Deveres -  enquanto ditadora de normas destinadas a dirigir o comportamento das pessoas perde sua razão de existir, por ser estanque e imposta pela vontade de uma classe sobre a outra.

2.2. O que é Anarquismo:

Anarquismo é o movimento político que propugna pela implantação da anarquia como sistema mediador das  inter-relações sociais, ou seja, defende a supressão de todas as formas de dominação e opressão vigentes na sociedade moderna, buscando o fim do Estado e de sua autoridade, a fim de concretizar uma comunidade homens e mulheres livres, mais fraterna e igualitária

De modo geral, a anarquia repudia qualquer tipo de ordem hierárquica que não seja livremente aceita pelos membros de organizações libertárias baseadas na livre associação.

Por esta razão, anarquia significa ausência de coerção e não a inexistência de ordem. O que não se traduz em sinônimo de caos como pretendem aqueles que, partindo de uma noção equivocada da literalidade do termo grego, popularizaram esta distorção terminológica, desde o fim do século XIX, através dos poderosos meios comunicação de massa para difundir os princípios do Capitalismo veiculados pela propaganda patronal e das instituições políticas e religiosas, em suas campanhas antianarquistas.

Ademais, é também frequente o anarquismo ser apontado como uma ideologia negadora dos laços de solidariedade (indiferença) entre os homens, quando, em realidade, um dos laços mais valorizados pelos anarquistas é o auxílio mútuo, em que pese combater os valores sociais e políticos prevalecentes no mundo moderno como Estado, ainda que laico, a Lei, a ordem verticalizada, a religião e a propriedade privada.

Por fim, o anarquismo propõe um esforço individual, a fim de conciliar interesses pessoais e sociais de seus adeptos, a partir de um árduo trabalho de conscientização dos indivíduos.
Concluindo, o anarquismo é uma filosofia política que engloba teorias, métodos e ações objetivando a supressão total e imediata de todas as formas de  governo compulsório e de Estado.

2.3. Vertentes do pensamento anarquista:

Quando se fala em “anarquia”, muitos acreditam que a expressão pode ser associada com propriedade a qualquer evento ou lugar em que a desorganização impere. Contudo, essa apropriação contemporânea dista bastante das teorias que integram o pensamento anarquista, estabelecido para combater as contradições e injustiças do sistema capitalista pujante já no século XVIII.

Entretanto, perfeitamente possível distinguir as várias escolas do pensamento anarquista em correntes individualistas e correntes coletivistas no que se refere ao problema da propriedade privada, do qual derivam os conflitos sociais instaurados por séculos a fio.

Pois, entre as diversas escolas de pensamento e tradições de anarquismo, as quais não são mutuamente exclusivas, cada vertente do anarquismo tem uma linha de compreensão, análise, ação e edificação política específica, embora todas vinculadas pelos ideais básicos do anarquismo.

Assim, as correntes do anarquismo, são divididas em anarquismo social e anarquismo individualista, ou em classificações semelhantes.

A maioria dos anarquistas se opõe a todas as formas de agressão, apoiando, em contrapartida, a autodefesa ou a não violência (anarcopacifismo); outros, contudo, apoiam o uso de outros meios, como a revolução violenta. Enquanto que os defensores movimento da Propaganda pelo Ato, inicialmente violento, hoje em dia incorporou diversos tipos de ações não violentas.

Face ao problema da propriedade dos meios de produção, há correntes individualista e coletivista:

2.3.1. Os individualistas:

Segundo esta corrente, o anarquismo recusa a reforma progressiva como meio de desenvolvimento do Estado, o qual deverá ser fruto da destruição radical da ordem estatal, através da ação direta, que inclui os atentados (propaganda pela ação).

A Propaganda pelo Ato foi a maior expressão do anarquismo individualista. Chegando alguns anarquistas a acreditarem, como Johann Most, que a divulgação de atos violentos de retaliação aos contrarrevolucionários era mais viável porque "Se proclamava não apenas ação em e para si mesma, mas também ação como propaganda”.

Deste modo, por volta dos anos 1880, a frase "propaganda pelo ato" tinha começado a ser utilizada tanto dentro quanto fora do movimento anarquista para se referir a bombardeios individuais, regicídios e tiranicídios. 

A ponto de o anarcossindicalista Fernand Pelloutier argumentar em 1895 pelo envolvimento de renomados anarquistas no movimento trabalhista, baseando-se em que o anarquista não poderia ir bem sem "o dinamitador individual”.

Todavia, em 1887, figuras importantes no movimento anarquista distanciaram-se de tais atos individuais. E passaram a advogar o abandono desse tipo de táticas em favor de uma ação coletiva revolucionária, por exemplo, através do movimento sindical, por entenderem que, como escreveu Peter Kropotkin  em Le Révolté que "uma estrutura baseada em séculos de história não pode ser destruída com alguns quilos de dinamite".

Entretanto, deve-se salientar que a repressão do Estado (incluindo as lois scélérates francesas de 1894) contra os movimentos anarquistas e trabalhistas, apesar de poucos bem-sucedidos bombardeios e assassinatos contribuírem para o abandono desse tipo de táticas, reciprocamente, a repressão estatal, primeiramente, propiciou esses atos isolados.

A partir da separação do movimento socialista em muitos grupos e, após a supressão da Comuna de Paris em 1871, a execução e exílio de muitos communards para colônias penais, expressões e atos políticos individuais foram desencadeados.

 2.3.2. Os coletivistas:

O anarquismo social têm valores e evolução diferentes. Enquanto que a corrente individualista do anarquismo enfatiza as liberdades mais radicais como, por exemplo, a oposição ao estado ou ao controle social deste sobre o indivíduo, a vertente social enfatiza a liberdade positiva para alcançar o potencial do homem e argumenta que humanos têm necessidades que a sociedade deveria preencher totalmente, "reconhecendo igualdade de direitos".

Assim sendo, o Anarquismo Social se define como um sistema de propriedade pública dos meios de produção e controle democrático de todas as organizações, sem qualquer autoridade governamental ou coerção.

É, por isso, a maior escola de pensamento no anarquismo. Porque, ao mesmo tempo em que rejeita a propriedade privada, vendo-a como a fonte da desigualdade social, propõe como substituto a essa agressão contra o indivíduo, pela existência do Estado institucionalizada, a cooperação e a ajuda mútua.

O Anarquismo Coletivista, também chamado de "socialismo revolucionário" ou “socialismo libertário”, ou, ainda, “anarcocomunismo” propõe que a forma mais livre de organização social seria uma sociedade composta por comunas autogeridas, com uso coletivo dos meios de produção, organizada democraticamente, e relacionada às outras comunas através de federação.

Enquanto alguns anarcocomunistas preferem a democracia direta, outros sentem que o seu caráter majoritário pode impedir a liberdade individual e então estes apoiam uma democracia consensual. No anarcocomunismo, assim como o dinheiro seria abolido, indivíduos não receberiam compensação direta pelo trabalho (através do compartilhamento dos lucros ou pagamentos), mas teriam livre acesso aos recursos e ao excedente da comuna.

O anarcocomunismo nem sempre tem uma filosofia comunitária. Algumas formas de anarcocomunismo são egoístas e fortemente influenciadas por individualismo radical, acreditando que o anarcocomunismo não requer inteiramente uma natureza comunitária.

O anarquismo coletivista surgiu contemporaneamente ao marxismo, mas se opôs à ditadura do proletariado marxista, apesar de aceitar o objetivo marxista de uma sociedade coletivista sem classes. Ideias anarcocomunistas e anarquistas coletivistas não são mutuamente exclusivas; apesar de os anarquistas coletivistas defenderem compensação pelo trabalho, alguns estenderam a possibilidade de uma transição pós-revolucionária para um sistema comunista de distribuição de acordo com a necessidade.

O Anarquismo Coletivista, em sua forma mais revolucionária, é comumente associado a pensadores como Mikhail Bakunin e Johann Most. Estes defendiam o fim imediato de toda propriedade privada dos meios de produção, opondo a este mecanismo cruel de divisão da riqueza a propriedade coletivizada.

E isto, só poderia ser alcançado através de uma revolução violenta. Primeiramente, começando com um grupo pequeno e coeso através de atos de violência, ou "propaganda pelo ato", o que inspiraria trabalhadores como um todo a se revoltar e coletivizar forçadamente os meios de produção.

Entretanto, a coletivização não era para ser estendida para a distribuição das receitas, já que os trabalhadores seriam pagos de acordo com o tempo trabalhado, mais do que receber bens distribuídos de "acordo com a necessidade" como no anarcocomunismo.

Essa posição foi criticado por anarcocomunistas como efetivamente "assegurando o sistema de salários".

No começo do século XX, outra forma de anarquismo coletivista, o anarcossindicalismo surgiu como uma vertente distinta dentro do anarquismo. Com grande foco no movimento trabalhista, o sindicalismo anarquista coloca sindicatos radicais como uma força potencial para uma mudança social revolucionária, substituindo o capitalismo e o estado por uma nova sociedade, democraticamente autogerida por trabalhadores.

É frequentemente combinado com outras formas de anarquismo, e anarcossindicalistas frequentemente aceitam os sistemas econômicos anarcocomunistas ou anarquistas coletivistas. Tendo como pensador inicial Rudolf Rocker, cujo panfleto de 1938 “Anarcossindicalismo” delineia uma visão da origem do movimento, objetivando a importância do trabalho para o futuro.

2.3.3. Correntes pós-clássicas

O anarquismo continua a gerar muitos filósofos e movimentos, às vezes ecléticos, baseando-se em várias fontes, e sincréticos, combinando conceitos diferentes contrários para criar novas abordagens filosóficas. Desde a nova onda do anarquismo nos Estados Unidos, nos anos 1960, novos movimentos e escolas têm emergido.

O anarcafeminismo desenvolveu-se como uma síntese do feminismo radical e do anarquismo, que vê o patriarcado (dominação masculina sobre as mulheres) como uma manifestação fundamental de governos compulsórios. Ele foi inspirado por escritas do século XIX das primeiras anarquistas feministas como Lucy Parsons, Emma Goldman, Voltairine de Cleyre e Dora Marsden.

Anarcafeministas, como outras feministas radicais, criticam e defendem a abolição dos conceitos tradicionais de família, educação e do papel social de gênero.

O anarquismo verde (ou eco-anarquismo) é uma escola de pensamento dentro do anarquismo que coloca ênfase em debates ambientais, e cujas principais correntes contemporâneas são o anarcoprimitivismo e a ecologia social.

O anarcopacifismo é uma tendência que rejeita o uso da violência na luta por mudança social. Ele se desenvolveu "principalmente nos Países Baixos, no Reino Unido e nos Estados Unidos, antes e durante a Segunda Guerra Mundial".

Anarquismo pós-esquerdismo é uma tendência que procura distanciar-se da tradicional esquerda política e escapar da restrição de ideologias em geral.

O pós-anarquismo é um movimento em direção à síntese da teoria anarquista clássica e do pensamento pós-estruturalista baseando-se em diversas ideias, incluindo o pós-modernismo, marxismo autonomista, anarquismo pós-esquerdismo, situacionismo e pós-colonialismo.

2.4. História do Anarquismo

O anarquismo foi desenvolvido pelo clérigo dissidente inglês William Goldwin(1756 - 1836)  e pelo jovem Proudhon, e recebeu uma base filosófica da parte de Max Stirner. E teve como os seus seguidores mais importantes entre os primeiros russos social-revolucionários (niilismo),Bakunin e o príncipe Kropotkin, e  Tolstoi na sua vertente religiosa. 

 Estes e outros pensadores como Enrico Malatesta, profundando as discussões de natureza anárquica, ainda no século XIX, tentaram trilhar caminhos que pudessem conceber uma sociedade plenamente libertária.

Em 1793, William Godwin, que tem frequentemente sido citado como o primeiro anarquista, escreveu Justiça Política, que alguns consideram ser a primeira expressão do anarquismo. 

Godwin, um filósofo anarquista de uma base racionalista e utilitarista, opôs-se à ação revolucionária e viu um estado mínimo como um "mal necessário" presente que se tornaria cada vez mais irrelevante e sem poder pela propagação gradual de conhecimento.

Godwin advogou um individualismo extremo, propondo que toda a cooperação no trabalho fosse eliminada na premissa de que isso seria o mais conducente ao bem geral. Era um utilitarista que acreditava que todos os indivíduos não são de valor igual, com alguns de nós "de mais valor e importância" do que outros, dependendo da nossa utilidade em trazer bem social.

Portanto, ele não acredita em direitos iguais, mas na vida da pessoa, e que deveria ser favorecida a que é mais contribuinte para o bem social. Era opositor do governo porque o viu infringindo o direito individual de "julgamento privado" para determinar quais ações mais maximizam a utilidade, mas também fez uma crítica de toda autoridade sobre o julgamento do indivíduo. 

Esse aspecto da filosofia de Godwin, privado de motivações utilitárias, foi desenvolvido em uma forma mais extrema posteriormente por Stirner.

A forma mais extrema do anarquismo individualista, chamada de "egoísmo",ou anarquismo egoísta, teve como expoente um dos primeiros e mais bem conhecidos proponentes do anarquismo individualista, Max Stirner.

O Ego e sua propriedade de Stirner, publicado em 1844, é o texto fundador dessa filosofia. De acordo com Stirner, a única limitação dos direitos do indivíduo é o seu poder para obter o que ele deseja, sem considerar Deus, estado ou moralidade. Para Stirner, direitos eram espectros na mente, e ele afirmava que a sociedade não existe, mas sim que "os indivíduos são a sua realidade".

Stirner defendia a auto-afirmação e previa uniões de egoístas, associações não-sistemáticas continuamente renovadas pelo apoio de todos os partidos através de um ato de vontade, que 
Stirner propôs como uma forma de organização no lugar do estado. 

Anarquistas egoístas afirmam que o egoísmo irá alimentar uma união genuína e espontânea entre os indivíduos.

Relativamente à sua organização, há uma corrente anarcocoletivista (bakuninista) e outra anarcocomunista (kropotkiana), que se opunha aos sindicatos de classes operárias.

Conclui-se, portanto, que em pleno auge das teorias liberais defendidas pelo pensamento iluminista, o Anarquismo surge como alternativa capaz de propor, naquela época, um novo tipo de arranjo social em que as pessoas não estivessem subordinadas à força dos governos e das Leis. 

Mas, sim, em sua perspectiva, os anarquistas acreditavam, num contexto dominado por princípios racionais, e equilibrado entre as necessidades e as vontades, ser possível conduzir a vida em sociedade sob os pilares da liberdade individual e da responsabilidade coletiva, mediante o fim da propriedade privada.

2.5. Os movimentos Anarquistas

Alguns consideram que temas anarquistas podem ser encontrados em trabalhos dos filósofos taoísta Lao Zi e Chuang-Tzu. O último tem sido traduzido nestes termos:

 "Há uma coisa como deixar a humanidade sozinha; nunca houve tal coisa como governar a humanidade [com sucesso]," e "Um pequeno ladrão é colocado na cadeia. Um grande bandido torna-se o governante de uma nação".

 Enquanto que o anarquismo moderno é apontado, contudo, como tendo origem no pensamento secular ou religioso do Iluminismo, particularmente de argumentos de Jean-Jacques Rousseau para a centralidade moral da liberdade ou em William Godwin, considerado aquele que desenvolveu a primeira expressão do pensamento anarquista moderno, pelo que se observa nos escritos de Peter Kropotkin:  " Godwin foi o primeiro a formular as concepções políticas e econômicas do anarquismo, mesmo que ele não tenha dado nome às ideias desenvolvidas em seu trabalho".

E enquanto Godwin ligava suas ideias anarquistas a Edmund Burke. Benjamin Tucker creditava a Josiah Warren, um estado-unidense que promovia a ausência do estado e comunidades voluntárias onde todos os bens e serviços são privados, como sendo "o primeiro homem a expor e formular a doutrina agora conhecida como anarquismo."

Todavia, de fato, o primeiro a descrever-se como um anarquista foi Pierre-Joseph Proudhon, um filósofo e político francês, chamado por alguns de fundador da teoria anarquista moderna.

2.6. O Anarquismo na História:

O anarquismo desempenhou papéis significativos nos grandes conflitos da primeira metade do século XX. Durante a Revolução Russa de 1917, Nestor Makhno tenta implantar o anarquismo na Ucrânia, com apoio de várias comunidades camponesas, mas  essas comunidades de homens livres acabam derrotadas pelo Estado bolchevique truculento de Lênin.

Porém, quinze anos depois, anarquistas organizados em torno de uma confederação anarcossindicalista impedem que um golpe militar fascista seja bem sucedido na Catalunha (Espanha), e são os primeiros a organizar milícias para impedir o avanço do fascismo na consequente Guerra Civil Espanhola.

Durante o curso da Guerra Civil Espanhola, os anarquistas controlaram um grande território que compreendia a Catalunha e Aragão, onde se incluía a região mais industrializada de Espanha, sendo que a maior parte da economia passou a ser autogerida por comissões de trabalhadores.

Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento anarquista deixou de ser um movimento de massas, e perdeu a influência que tinha no movimento operário dos vários países europeus. 

Entretanto, continuaria a influenciar revoltas populares que se seguiram na segunda metade do século XX, como o Maio de 68 na França, o movimento anti-Poll tax no Reino Unido e os protestos contra a reunião da OMC em Seattle, nos Estados Unidos, nos dias atuais.

2.7. A Primeira Internacional

Na Europa, uma severa reação seguiu a revolução de 1848, durante a qual dez países tinham experimentado convulsões sociais breves ou longas assim como grupos defendendo elevações nacionalistas. 

Depois de a maioria dessas tentativas sistematicamente acabar em fracasso, elementos conservadores tiraram vantagem de grupos divididos de socialistas, anarquistas, liberais e nacionalistas, para impedir mais revoltas.

Em 1864, a Associação Internacional dos Trabalhadores (algumas vezes chamada de "Primeira Internacional") uniu diversas correntes revolucionárias, como seguidores franceses de Proudhon, , blanquistas, filadélfios, sindicalistas ingleses, socialistas e sociais democratas.

Devido às suas ligações com movimentos ativos de trabalhadores, a Internacional tornou-se uma organização significativa. Karl Marx tornou-se uma figura importante na Internacional e membro do seu conselho geral. Seguidores de Proudhon, os mutualistas, opunham-se ao socialismo estatal de Marx, advogando o abstencionismo político e o arrendamento de pequenas propriedades.

Em 1868, seguindo a sua mal-sucedida participação na Liga da Paz e Liberdade, o revolucionário russo Mikhail Bakunin e as suas associações anarquistas coletivistas juntaram-se à Primeira Internacional (que tinha decidido não se envolver com a Liga da Paz e Liberdade). Eles aliaram-se com as seções socialistas federalistas da Internacional, que advogavam o fim do estado através da revolução e a coletivização da propriedade.

Em 1872, Bakunin e James Guillaume foram expulsos da Internacional e as suas sedes transferiram-se para Nova Iorque. Em resposta, as partes federalistas formaram a sua própria Internacional no Congresso de St. Imier, adotando um programa anarquista revolucionário.

2.8. O Método Anarquista

Conforme exposto, os anarquistas, independentemente da escola a que se filiara, concordavam que toda instituição dotada de poderes impedia o alcance da liberdade. Dessa forma, o Estado, a Igreja e muitos costumes são criticados na condição de verdadeiros entraves para o alcance de um mundo regido por pessoas livres.

Paralelamente a isso, por meio da extinção da propriedade privada se combateriam as diferenças que identificam as classes sociais, pois, consequentemente, em uma sociedade desprovida de Estado, a produção e o gerenciamento das riquezas seriam estipulados por meio de ações cooperativistas.

Nesse contexto, todos alcançariam condições de possuírem uma vida minimamente confortável e ninguém teria sua força de trabalho explorada em benefício de um terceiro. 

Então, a violência e a miséria dariam lugar para um novo mundo regido pela felicidade da ampla maioria.

Embora, comunguem com os socialistas em alguns pontos sócio-políticos, os anarquistas, em que pesassem acreditar na expressa e urgente necessidade de se realizar um movimento revolucionário que combatesse as autoridades vigentes, não concordavam os seguidores de Marx que uma ditadura do proletariado fosse realmente necessária para que a sociedade comunista fosse alcançada. Porque em na visão libertária, defendida pelos anarquistas, a substituição de um governo por outro somente fortaleceria novas formas de repressão e desigualdade.

Neste ponto, o Anarquismo difere do Marxismo por rejeitar o uso instrumental do Estado para alcançar seus objetivos e por prever uma Revolução Social de caráter direto e incisivo, ao contrário da progressão sócio-política gradual, o  Socialismo Científico, que antevia como necessária a caminhada revolucionária gradativa rumo à derrubada do Estado e, por fim, a instauração do comunismo com a superação inevitável, segundo Karl Marx, dos antagonismos sociais pela Ditadura do Proletariado.

Portanto, concluindo, o anarquismo se opõe ao comunismo porque não concebe que, após uma revolução operária que ambos possam protagonizar, seja implantado o governo do Estado por um partido político, mesmo que seja apenas numa primeira fase, quando partidos, e também o próprio Estado, deveriam ser simplesmente abolidos, de imediato e não mais tarde, ao passo que toda propriedade passasse imediatamente a ser gerida por "comissões de trabalhadores".

2.9. Os Princípios Anarquistas:

Assim como toda Ciência Política e Filosófica, o Anarquismo possui também suas principiologia doutrinária e terminológica.
Dentre os princípios, destacam-se:

 2.9.1. Princípio da não doutrinação

Os anarquistas acreditam no desenvolvimento heterodoxo do pensamento e do ideal libertário como um todo, não idolatrando nem privilegiando qualquer escritor ou teórico desta vertente de estudos.



Toda a posição do anarquismo é completamente diferente de qualquer outro movimento socialista autoritário. Ela tolera variações e rejeita a ideia de gurus políticos ou religiosos. Não existe um profeta fundador a quem todos devam seguir. Os anarquistas respeitam seus mestres, mas não os reverenciam, e o que distingue qualquer boa compilação que pretenda representar o pensamento anarquista é a liberdade doutrinária com que os autores desenvolveram ideias próprias de forma original e desinibida. (George Woodcock).


Anarquismo não é doutrina, não é religião, portanto não reverencia nenhuma espécie de livros ou obras culturais, nem linhas metodológicas rígidas, o que o definiria infantilmente enquanto ciência constituída. 

As obras concernentes ao anarquismo são, no máximo, fontes de experiências delimitadas histórica e conjunturalmente, passíveis de infinitas adaptações e interpretações pessoais.

Em síntese, o anarquismo é convencionado entre os libertários como sendo a emergência de um sentimento puro, sob o qual cada adepto deve desenvolver dentro de si mesmo o seu próprio instrumental intelectual para legitimá-lo e, mais do que isso, potencializá-lo abstrata e concretamente.

2.9.2. A revolução social

Na ótica anarquista, a revolução social consistiria na quebra drástica, rápida e efetiva do Estado e de todas as estruturas, materiais e não materiais, que o regiam ou a ele sustentavam. Este princípio é primordial na diferenciação da vertente de pensamentos libertária em relação a qualquer outra corrente ideária. 

É a diferença básica entre o socialismo libertário e o socialismo autoritário.

Não há no Anarquismo, como na ótica do Marxismo, a necessária instrumentalização do Estado para a prossecução planejada, detalhada e gradativa da revolução, sendo instituída a ditadura do proletariado para o controle operário dos meios de produção até a eclosão do comunismo.

 Ao contrário, para o ideário anarquista, a revolução deve ser imediata, para não permitir que os elementos revolucionários possam ser corrompidos pela realidade estatal.

De acordo com os libertários, a ditadura do proletariado nada mais é do que uma ditadura "de fato", continuando a exercer coerção, opressão e violência sobre a sociedade. Por isso, segundo os libertários, a revolução social deve ascender o mais rápido possível à sociedade anarquista, ao comunismo puro, para, através dos princípios da defesa da revolução, não permitir a ressurreição do Estado.

Por fim, por intermédio do processo de destruição completa do Estado, sobre todas as suas formas, torna-se plenamente tangível a liberdade, podendo o sujeito renovar de forma efetiva os seus princípios e preceitos humanistas.

2.9.3. Humanismo

Os anarquistas, de forma geral, rejeitam a hipótese de que o governo ou o Estado sejam necessários ou mesmo inevitáveis para a sociedade humana. Os grupos humanos seriam naturalmente capazes de se auto-organizarem de forma igualitária e não hierárquica, mediante os progressos originados pela educação libertária.

A presença de hierarquias baseadas na força, ao invés de contribuírem para a organização social, antes a corrompem, por inibirem essa capacidade inata de auto-organização e por dar origem à desigualdade.

Destarte, a partir da conscientização, aceitação e internalização da sua essência humana, ideia suprimida anteriormente pelo Estado, segundo os anarquistas, emerge naturalmente na sociedade humana o anseio pela ascensão da ideia base de qualquer forma de vida real: a Liberdade.

2.9.4. A Liberdade

A Liberdade é a base incontestável de qualquer pensamento, formulação ou ação anarquista, representando o elo sublime que conjuga de forma plena todos os anarquistas. Assim, entre os anarquistas, a Liberdade deixa o plano abstracional (do pensamento) para ganhar uma funcionalidade prática, sendo o símbolo e a dinâmica do desenvolvimento humano real.

Em outras palavras, o princípio básico para qualquer pensamento, ação ou sociedade ser definida como anarquista é que esteja imersa, tanto abstrata (ideologicamente), quanto pragmaticamente (no âmbito das ações), no conceito de Liberdade. 

Liberdade física, de gênero, de pensamento, de ação, de expressão, de usufruto consciente dos recursos humanos, sociais e naturais, de negociação e interação, de apoio mútuo, de relacionamento e vinculação sentimental, de fé e espiritualidade, de produção intelectual e material e de realização coletiva e pessoal.

Para a encarnação da Liberdade, no entanto, é necessária a erradicação completa de qualquer forma de autoridade.

2.9.5. O Antiautoritarismo

O Antiautoritarismo consiste na repulsa e no combate total a qualquer tipo de hierarquia imposta ou a qualquer domínio de uma pessoa sobre a(s) outra(s), defendendo uma organização social baseada na igualdade e no valor supremo da liberdade.

Tem como principais, mas não são os únicos objetivos, a supressão do Estado, da acumulação de riqueza própria do capitalismo e das hierarquias religiosas. Sendo para o libertário, a supressão dessa autoridade será condicionada pela ação direta de cada indivíduo livre, prescindindo-se completamente de qualquer intermediário entre o seu objetivo, enquanto defensor da Liberdade, e a sua vontade.

O anarquista entende que "enquanto houver autoridade, não haverá liberdade".

2.9.6. Ação direta

Os anarquistas afirmam que não se deve delegar a solução de problemas a terceiros, mas antes, atuar diretamente contra o problema em questão, ou, de forma mais resumida, "A luta não se delega aos heróis". Sendo assim, rejeitam meios indiretos de resolução de problemas sociais, como a mediação por políticos e/ou pelo Estado, em favor de meios mais diretos como o mutirão, a assembleia (ação direta que não envolve conflito físico), a greve, o boicote, a desobediência civil (ação direta que pode envolver conflito físico), e, em situações excepcionais a sabotagem e outros meios coercitivos (ação direta com potencial violento).

No entanto, a Ação Direta, por si só, não garante a manutenção e a perpetuação das condições humanas básicas, tanto em termos estruturais, quanto no aspecto intelectual, necessitando de uma extensão operacional extensa e organizada a fim de fazer, da força humana global, uma só energia coletiva. Decerto, somente a solidariedade e o mutualismo máximos podem promover essa harmonia social.

2.9.7. Apoio mútuo

Os anarquistas acreditam que todas as sociedades, quer sejam humanas ou animais, existem graças à vantagem que o princípio da solidariedade garante a cada indivíduo que as compõem. Este conceito foi exaustivamente exposto por Piotr Kropotkin, em sua famosa obra "Mutualismo: Um Fator de Evolução". Da mesma forma, acreditam que a solidariedade é a principal defesa dos indivíduos contra o poder coercitivo do Estado e do Capital.

Mas, para que a solidariedade se torne uma virtude "de fato" é necessária a erradicação de qualquer fator de segregação ou discriminação humanas. Com esse objetivo, o internacionalismo se firma enquanto o princípio proeminente da integração sociolibertária.

2.9.8. Internacionalismo

Para os anarquistas, todo tipo de divisão da sociedade que não possua uma funcionalidade plena no campo humano deve ser completamente descartada, seja pelos antagonismos infundados que ela gera, seja pela burocracia contraproducente que ela encarna na organização social, esterilizando-a. Logo, a ideia de "pátria" é negada pelos anarquistas.

Os libertários acreditam que as virtudes e o exercício pleno delas não devem possuir "fronteiras". E que a natureza humana é a mesma em qualquer lugar do mundo, exigindo, independentemente do universo material ou cultural onde o ente humano esteja inserido, uma gama infinita de necessidades e cuidados. Em outras palavras: se a fragilidade do homem não tem fronteiras, por que estabelecer empecilhos ao seu auxílio?

Vale lembrar que o conceito libertário de internacionalismo se difere completamente do conceito que conhecemos capitalista de globalização.
Globalização é a ampliação a nível mundial da difusão de produtos ideológicos culturais e materiais de determinados segmentos capitalistas, visando à potencialização máxima da capacidade mercadológica dos agentes operantes, ou seja, o “lucro máximo”.

Por outro lado, o internacionalismo, por se alijar completamente de todo o ideário capitalista, não possui nenhuma intenção lucrativa, capitalista, e não é permeado por estruturas privilegiadas de produção como as indústrias capitalistas e, sim, pela solidariedade e mutualismo máximos.

Didaticamente, o internacionalismo pode ser definido como sendo a difusão global de "serviços" humanos, e a globalização como a difusão global de "hegemonias" mercadológicas.

2.9.9. Princípio da flexibilidade e naturalidade organizacionais

Os anarquistas, por intermédio da aceitação e compreensão da progressão materialmente dialética da história, em sua maioria, não acreditam que o estabelecimento de estruturas organizacionais rígidas possam promover um desenvolvimento humano efetivo. 

Assim, acreditam que a inflexibilidade organizacional - típica do sistema capitalista - termina por interferir deleteriamente, quando não suprime, as faculdades individuais de cada ser humano.

Por isso, os anarquistas acreditam que são as dificuldades e problemáticas humanas, materiais e sociais que devem prescrever o modelo temporário de organização, e não as inferências provenientes de abstrações técnicas. 

Em outras palavras, é a realidade concreta que deve definir as bases da organização da sociedade anarquista, em contrapartida com as situações imaginárias criadas pelos "técnicos", as quais, na maioria das vezes, tendem a ser manipuladas a favor de interesses parciais.

E isso só seria possível por meio do Federalismo Libertário.

2.9.10. Federalismo Libertário

Ampliação funcional do princípio da "Ação Direta", o federalismo libertário é o meio de organização proposto pela maior parte das vertentes anárquicas, desenvolvido, no âmbito anarquista, pela primeira pessoa a se intitular “anarquista”: Pierre-Joseph Proudhon (1809 - 1865).

Esse conceito consiste na subdivisão organizacional temporária ou permanente da sociedade libertária – em federações, comunas, confederações, associações, cooperativas, grupos e qualquer outra forma de conjugação da força operacional humana – para a maior eficiência das interações humanas, sociais.

Por intermédio do federalismo, de cunho libertário, seria possível uma intervenção rápida e direta do homem frente às problemáticas emergentes na sociedade anarquista. Nesse aspecto, Piotr Alexeevich Kropotkin (1842 – 1921) aludia didaticamente às federações como sendo "botes salva-vidas": ágeis no auxílio e versáteis frente às condições ou necessidades adversas.

Evidencia-se que o conceito de federalismo, no campo libertário, transcende o conceito atual de federalismo que conhecemos, deixando de representar apenas as associações de grande escala para adentrar no âmbito pessoal, abrangendo, inclusive, as relações interpessoais.

Desta forma, o federalismo libertário se firma enquanto a máxima coesão entre o homem e a satisfação proficiente de suas necessidades.
Em outras palavras, o federalismo libertário é tido enquanto o germe de qualquer organização anarquista.

2.9.11. Responsabilidades: individual e coletiva

Na sociedade anarquista, a questão da responsabilidade é persecutória em qualquer pensamento acerca das relações entre os seus integrantes. Didaticamente, ela é dividida entre responsabilidade individual e responsabilidade coletiva - ambas totalmente coesas na prática.

Pela primeira, compreende-se a consciência individual encarnada em qualquer ação empreendida pelo indivíduo, de forma pessoal, subjetiva - embora com vistas ao benefício do coletivo. Assim, o anarquista possui seus deveres e obrigações em relação a toda a sociedade, agindo sempre de forma a fazer  progredir a sociedade por completo.

Pela segunda, é convencionada a consciência coletiva emergente a partir de qualquer ação exercida por determinada seção operacional - grupo, associação, federação, etc. Uma determinada seção é responsável - em sua integridade - pelas suas ações desenvolvidas, estando suscetível aos seus resultados e, consequentemente, às possíveis reformulações ou reorientações.

2.9.12. Propaganda pelo ato

A propaganda pelo ato era uma tática utilizada por anarquistas no século XIX que consistia na divulgação de atos violentos de retaliação contra os contrarrevolucionários com o propósito de se fazer ecoar com mais força, chegando a um número maior de trabalhadores, a luta e o ideário anarquista.

Por volta dos anos 1880, a frase "propaganda pelo ato" tinha começado e ser utilizada tanto dentro quanto fora do movimento anarquista para se referir a bombardeios individuais. Porém, anarquistas como Kropotkin passou a advogar o abandono desse tipo de táticas em favor de uma ação coletiva revolucionária, por exemplo, através do movimento sindical..

Então, os anarquistas contemporâneos adotaram métodos alternativos de ação direta como a não violência, contra economia e criptografia anti-estado para trazer uma sociedade anarquista.

A diversidade no anarquismo tem levado a usos muito diferentes de termos idênticos entre diferentes tradições anarquistas, o que tem levado a muitos interesses na definição da teoria anarquista.

 
3.1. Pedagogia Libertária:

A questão persecutória por excelência entre os anarquistas no decorrer da história é: como seria possível uma Sociedade Anarquista se cada ser humano pensa de uma forma diferente? Não seria permeada por inúmeros conflitos, guerras, antagonismos?

A resposta a essa questão, defendida pela maior parte dos anarquistas, é a de que apenas o desenvolvimento virtuoso da educação (Pedagogia Libertária) – permeada pela autodidática, interesse natural, relativismo cultural e antidogmatismo – proveria as pessoas do desenvolvimento humano efetivo.

Assim, embora os conflitos façam parte da Sociedade Anarquista – e a desenvolvam estruturalmente por essa relação dialética –, eles seriam transferidos do plano físico – como é o caso das guerras atuais – para o plano do diálogo – como prima a democracia direta –, sendo negociados de forma pacífica, consciente, racional e, acima de tudo, humana, já que o interesse, o calculismo, não estaria mais regendo as instâncias conflitivas.

Em outras palavras, independentemente do resultado do embate, ninguém sairia em posição privilegiada.

3.2. Educação libertária

Max Stirner escreveu em 1842 um longo ensaio sobre a educação chamado O Falso Princípio da nossa Educação. Nele, Stirner nomeia o seu princípio educacional como "personalista”, explicando que o auto-entendimento consiste em autocriação contínua. 

Educação, para ele, é criar "homens livres, caráteres soberanos", pelos quais ele quer dizer "caráteres eternos... que são, portanto, eternos porque eles formam-se a cada momento".

Outra tradição libertária é a de não escolarização e a pedagogia libertária nas quais atividades lideradas por crianças substituem abordagens pedagógicas. Experiências na Alemanha levaram A. S. Neill a fundar o que se tornou a Summerhill School em 1921.

Summerhill é frequentemente citada como um exemplo do anarquismo em prática, apesar de  não advogar uma abordagem manifestadamente política em relação à luta de classes.

Além de organizar escolas de acordo com princípios libertários, anarquistas também continuaram a questionar o conceito de aprendizagem por si.

O termo desescolarização foi popularizado por Ivan Illich, que argumentava que a escola como uma instituição é disfuncional para a aprendizagem autodeterminada e serve, ao contrário, para a criação de uma sociedade de consumo.

3.3. Anarquismo no Brasil

No Brasil, o anarquismo teve o seu início por volta de 1850 graças à influência de imigrantes vindos da Europa. Atingiu o seu ponto mais alto no século XX, pois era uma doutrina muito apreciada entre as classes operárias, o que gerou as grandes greves em São Paulo e Rio de Janeiro, em 1917, 1918 e 1919.

Apesar de ainda existirem no Brasil alguns movimentos anarquistas, estes não possuem a mesma relevância de outros tempos.

Talvez uma das primeiras experiências anarquistas do mundo tenha ocorrido nas margens da Baía de Babitonga, na cidade histórica de São Francisco do Sul. Em 1842 o Dr. Benoit Jules Mure, inspirado nas teorias de Fourier, instala o Falanstério do Saí ou Colônia Industrial do Saí, reunindo os colonos vindos de França no Rio de Janeiro em 1841.

Houve dissidências e um grupo dissidente, à frente do qual estava Michel Derrion, constituiu outra colônia a algumas léguas do Saí, num lugar chamado Palmital: a Colônia do Palmital.

Mure conseguiu apoio do Coronel Oliveira Camacho e do presidente da Província de Santa 
Catarina, Antero José Ferreira de Brito. Este apoio foi-lhe fundamental para posteriormente conseguir a ajuda financeira do governo do Império do Brasil para seu projeto.

Em 1889 Giovani Rossi tentou fundar em Palmeira, no interior do Paraná, uma comunidade baseada no trabalho, na vida e na negação do reconhecimento civil e religioso do matrimônio, (o que não significa, necessariamente, "amor livre"), denominada Colônia Cecília. A experiência teve curta duração.

O partido Comunista Anarquista ficou menos influente com a criação do Partido Comunista em 1922 por ex-integrantes do movimento anarquista que, influenciados pelo sucesso da revolução Russa, decidem fundar um partido segundo os moldes do partido bolchevique russo.

Porém, esta posição, sustentada por muitos historiadores, vem sendo contestada desde a década de 1970 por Edgar Rodrigues (anarquista português naturalizado no Brasil, pesquisador autodidata da história do movimento anarquista no Brasil e em Portugal), e pelos recentes estudos de Alexandre Samis que indicam que a influência anarquista no movimento operário cresceu mais durante este período do que no já fundado (PCB) e só a repressão do governo de Artur Bernardes, viria diminuir a influência das ideias anarquistas no seio do movimento grevista.

Artur Bernardes foi responsável por campos de concentração e centros de tortura, nos quais morreram inúmeros libertários, sendo que o pior de tais campos foi o de Clevelândia, localizado no Oiapoque. 

 Edgar Rodrigues apresenta em várias de suas obras as investidas de membros do PCB que, procurando transformar os sindicatos livres em sindicatos partidários e conquistar devotos às ideias leninistas, polemizavam em sindicatos e jornais, chegando a realizar atentados contra anarquistas que se destacavam no movimento operário brasileiro, durante a década de 1920.

Provavelmente devido aos problemas de comunicação resultantes da tecnologia da época, os anarquistas só terão compreendido a revolução russa de forma mais clara, a partir das notícias de célebres anarquistas, como a estadunidense Emma Goldman, que denunciara as atrocidades cometidas na Rússia em nome da ditadura do proletariado.

Seria a partir deste momento histórico que se definiria a posição tática do anarquismo perante os socialistas autoritários no Brasil, separando a confusão ideológica que reinava em torno da revolução russa, identificada pelos anarquistas inicialmente como uma revolução libertária.

Esta ideia seria depois desmistificada pelos anarquistas, que acreditam no socialismo sem ditadura, defendendo a liberdade e a abolição do Estado.

Durante o Regime Militar (1964-1985), as principais expressões anarquistas no Brasil foram o Centro de Estudos Professor José Oiticica, no Rio de Janeiro, o Centro de Cultura Social de São Paulo e o Jornal O Protesto no Rio Grande do Sul. Todos foram fechados no final da década de 1960, mas seus militantes continuaram se encontrando clandestinamente, publicando livros e se correspondendo com libertários de outros países.

Na década de 1970 surge na Bahia o jornal O Inimigo do Rei, impulsionando a formação de novos grupos anarquistas, através das editorias autogestionárias, em várias partes do Brasil.

No Rio Grande do Sul, nos anos oitenta, cria-se na cidade de Caxias do Sul, o Centro de Estudos em Pesquisa Social - CEPS, voltado para o trabalho social. No ano de 1986, na cidade de Florianópolis, é realizada a Primeira Jornada Libertaria com o lançamento das bases para a reorganização da Confederação Operária Brasileira - COB/AIT e a organização dos anarquistas.

 4.0. LEITURAS SUGERIDAS
 Aceito com entusiasmo o lema “O melhor governo é o que menos governa”; e gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente. Leva­do às últimas conseqüências, este lema significa o seguinte, no que também creio: "O melhor governo é o que não governa de modo algum”. (Henry David Thoreau)


História das idéias e movimentos Anarquistas, vol. 1 - George Woodcock

Este volume trata especialmente da ideia que o Anarquismo tem e produz durante o século XIX  por Proudhon, Liev Tolstoi, Bakunin, William Morris, Kropotkin, Malatesta, Godwin e tantos outros. E por que toda iniciativa de uma aliança com o socialismo de Marx sempre falhou.

História das idéias e movimentos Anarquistas, vol. 2 - George Woodcock

Já o segundo volume aborda o movimento nos países em que o Anarquismo foi predominante: França, Espanha, Itália, Rússia e um capítulo pouco breve que trata na América Latina, norte da Europa, Inglaterra e Estados Unidos.
Como as ideias dos grandes escritores incentivaram tantos povos a lutar pela valorização do indivíduo, sua liberdade e cooperação.

Notícias de Lugar Nenhum - William Morris

O autor descreve com realismo uma sociedade justa e livre na qual máquinas permitem que os homens se libertem do trabalho tedioso e se dediquem a uma atividade livre, criadora e, sobretudo, prazerosa. 
Algumas referências deste livro na internet falam do em como seria uma sociedade após uma revolução socialista, mas, engano, a sociedade abordada é anarquista.

O reino de Deus está em vós - Liev Tostoi

Tolstoi defende neste livro a ideia de que o cristianismo não é uma doutrina abstrata, mas uma proposta prática para vida. Logo depois de lançado, em 1894, este livro gerou tanta polêmica que foi vetado pelo czar, e seu autor excomungado pela Igreja Ortodoxa Russa. O livro ficou desaparecido por cem anos.

Diálogo imaginário entre Marx e Bakunin - Maurice Cranston

Uma conversação que supostamente mantiveram os dois homens que dominaram sua época na política durante o encontro que tiveram em Londres em 1864. O autor esforçou-se para reconstituir, a partir das teses particulares desenvolvidas pelos dois pensadores, a controvérsia que há entre Socialismo e Anarquismo.

Entre camponeses - Malatesta

Os poetas que escrevem livros sobre prazeres à vida do campo nunca lavraram a terra, enquanto os cultivadores matam-se de fadiga, morrem de fome, vivem pior que os animais e são tratados como gentalha, de tal modo que o último vagabundo das cidades sinta-se ofendido ao ser tratado de camponês. Mas quem de nós gostaria de abandonar o campo se trabalhasse por sua conta e encontrasse no trabalho da terra, bem-estar, liberdade e respeito?

Deus e o Estado - Bakunin

A obra aborda com grande crítica o que o conceito de religião e Estado provoca no indivíduo diminuindo-o e reprimindo-o frente a si mesmo e sociedade. Apresentando que a verdadeira escola para o povo e para todos os homens feitos é a vida, onde a única autoridade que pode-se respeitar é aquela do espírito coletivo e público de uma sociedade fundada no respeito mútuo de todos os seus membros.

A Alma do homem sob o socialismo - Oscar Wilde

Este estudo, apesar de apresentar-se como socialismo, demonstra que a autoridade, seja ela qual for, e a propriedade estão na origem de todas as deformações sociais. 


Guerra e Paz - Liev Tolstoi

Claro que este livro não poderia faltar nesta lista. Uma obra extensa, próxima de 1.000 páginas, publicado em partes na revista Mensageiro Russo, entre 1865 e 1869. Apresentando a sociedade russa durante o tumultuado período das guerras napoleônicas, de 1805 (ano da vitória de Napoleão na batalha de Austerlitz) a 1812 (quando ocorrerram a célebre retirada dos franceses durante o inverno e o incêndio de Moscou). Como fio condutor, temos a vida, as misérias e os amores de duas grandes famílias aristocratas.

Inquérito sobre a Justiça Política - William Godwin

Godwin argumenta que o governo é uma força corruptora na sociedade perpetuando a dependência e a ignorância e sua permanência se torna cada vez mais desnecessário e gradualmente despossuído do poder pela difusão do conhecimento.

A propriedade é um roubo - Proudhon

Um dos livros mais aclamados para apreciadores desta leitura. Joseph Proudhon apresenta e apoia a ideia do Anarquismo pacífico que aconteceria de maneira gradual nas organizações coletivas, onde o indivíduo não necessitaria mais da ação governamental capitalista e religiosa, extinguindo-o progressivamente. E apresenta como a sociedade seria nesse novo meio.

Desobediência Civil - Henry David Thoreau

Throreau abordava o Anarquismo pacífico também e exemplificava em suas ações, pois este livro foi escrito enquanto estava na prisão por discordar de pagar os impostos do Governo. A Desobediência civil é a Bíblia dos libertários. Tão poderoso que, anos mais tarde, nas mãos de Gandhi, serviu para derrubar um império.



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